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Justiça goiana autoriza aborto de feto com doença rara

Tema: Aborto de feto com doença rara
Palavras Chave: Aborto, Feto, Doença Rara


Ementa na integra

A Primeira Vara dos Crimes Dolosos Contra a Vida, da comarca de Goiânia, autorizou o aborto eugenésico de um feto que foi diagnosticado com síndrome de Body Stalk. A doença, rara e incurável, impossibilita a vida extrauterina da criança, uma vez que o cordão umbilical é inexistente e não há o fechamento da parede abdominal do embrião, que permanece com os órgãos expostos.

O magistrado observou que a anomalia foi comprovada por laudos de diversos médicos e exames, realizados em instituições idôneas. A gestante está com 22 semanas de gravidez e, ao constatar o problema, requereu a interrupção, que deverá ser realizada no hospital designado no alvará. Na decisão, o juiz Jesseir Coelho de Alcântara ressaltou que a autorização para o aborto é emergencial, pois é certa a morte da criança e não existe procedimento médico capaz de corrigir as deficiências desenvolvidas pelo feto. Ele ainda destacou que os riscos para a saúde e a vida da mãe, bem como os problemas psicológicos, só tendem a aumentar com o passar do tempo, caso não haja a interrupção da gestação.

Jesseir Coelho de Alcântara afirmou que já autorizou, em várias ocasiões, o aborto anencefálico, acatando o parecer ministerial e o laudo médico específico, e apesar de não ser o que ocorre neste caso, os efeitos são os mesmos, pois existe a impossibilidade de sobrevivência do feto e o risco de vida para a genitora. Com isso, o juiz conclui que a mulher gestante carregará em sua barriga, por nove meses, um ser sem vida, causando-lhe sofrimentos físicos e psicológicos.

O que diz a lei - O Código Penal Brasileiro permite expressamente apenas duas formas de aborto legais: o terapêutico, no caso em que há risco de vida para a grávida, e o aborto sentimental, autorizado em casos de gestação resultante de estupro. No entanto, o juiz elucidou a hipótese do aborto eugenésico ou eugênico, admitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O magistrado esclareceu que está em evolução o pensamento jurídico para enquadrar o aborto eugenésico como necessário. De acordo com ele, se a lei penal permite o aborto necessário ou terapêutico quando entra em perigo a vida da mãe, independentemente das condições de saúde do feto, e se a mesma lei tolera o aborto sentimental, também independentemente das condições do feto, é admissível aceitar o aborto quando se verificar também a impossibilidade de vida autônoma do feto, como no caso da acrania (ausência de crânio), acefalia (ausência de cérebro) ou anomalias seriíssimas e assemelhadas, tudo previamente constatado por uma equipe de médicos.

O juiz expõe que se o caso fosse analisado apenas pautado pelo Código Penal, seria preferir pelo formalismo e seria impossível juridicamente atender ao pedido da mãe, o que, na opinião do magistrado, não estaria correto. Jesseir Coelho de Alcântara afirmou que diante da realidade vivenciada, onde a prática de abortos clandestinos é maciça e extremamente pequeno o controle dessa prática ilegal pelo Estado, com grave repercussão na saúde pública e das gestantes, inclusive com a perda da própria capacidade gestacional, não pode a Justiça deixar de prestigiar a responsável via escolhida pela requerente ao buscar, no Poder Judiciário, a solução para a sua pretensão.

Entretanto, o magistrado destacou que não há a pretensão de defender o deferimento da postulação apenas pelo fato de ter sido a questão submetida ao Poder Judiciário. Mas, segundo ele, se a situação não for enfrentada, a Justiça pode estar indiretamente contribuindo, ou pelo menos reforçando, a ideia de que o único caminho viável é o da interrupção clandestina da gravidez, nesses casos, fora do controle estatal.

De acordo com a advogada, Leila Barsted, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM/RJ) e diretora da organização não governamental “Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação” (CEPIA), o avanço da medicina na detecção de anomalias fetais graves e irreversíveis, como parece ser a síndrome de Body Stalk, definida na literatura médica como doença rara, incurável e que impossibilita a vida extrauterina do feto, tem colocado para o Poder Judiciário a necessidade de ampliar a interpretação dos permissivos legais, previstos no Código Penal, tomando em conta, especialmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no acaso de anencefalia. “A decisão do juiz parte do princípio do dever do Estado de garantir a saúde física e mental da gestante, o que significa também garantir o respeito à sua dignidade humana, preceito constitucional. Certamente a literatura médica poderá apresentar outras síndromes que impossibilitam a vida extra-uterina”, afirma.

Segundo Leila Barsted, todas essas situações, no entanto, não seriam tão polêmicas se a legislação brasileira acompanhasse as legislações de outros países como França, Portugal, Inglaterra, Itália, Alemanha, Uruguai e muitos outros, que reconhecem o direito da mulher de interromper uma gestação desejada, mas que poderia colocar em risco sua vida ou sua saúde, ou de interromper uma gestação indesejada. “A legislação brasileira, de 1940, é extremamente repressiva ao retirar das mulheres o direito de decisão em questões relativas à sua saúde sexual e reprodutiva. Essa repressão legal deve-se essencialmente a questões de ordem religiosa e à permanência em nossa cultura de modelos de dominação que retiram das mulheres seu poder de autodeterminação. O impacto da descriminalização e legalização do aborto no Brasil seria sentido de forma muito positiva na diminuição da mortalidade materna e dos agravos à saúde das mulheres resultantes de abortos clandestinos e inseguros. Lamentavelmente, a mortalidade materna ainda é alta no país e as sequelas de abortos inseguros e clandestinos respondem por grande parte dos óbitos maternos”, argumenta.

Para a advogada, a descriminalização e legalização da interrupção voluntária da gravidez, seguindo os exemplos internacionais citados, permitiriam às mulheres brasileiras defender a sua saúde física e mental e afirmar a sua autonomia sexual e reprodutiva.


Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM com informações do TJGO

Data: 18/08/2015




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